sábado, 2 de novembro de 2024

Ala do(s) solitário(s)

Ala, que se fez tarde e
tudo se pôs a pôr –
sol, lua, causa, rei

                            de um lado outro
                            chamam por mim
                           (só que é ninguém)

seja amigo, inimigo
vanguarda, retaguarda
ala esquerda, direita
                            de um lado outro
                            alguém me chama
                            só que é ninguém
ao quadrado se perde o passaporte
a cabeça, uma nuvem Fabergé
ao quadrado se perde tempo e crença
(se é potência, calor do corpo – ao cubo)

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

"Selva Ideia"

Sedutor é supor que o salso aedo
Descobriu, em Lugar, comum ideia
E desta arte figura ousou mais cedo
Passando ainda além do que nomeia
(andam tigres, leões, no pensamento...)

Indo eu no caminho a mim sem medo
A escolher tornaria a Citereia
Inda que isso de novo me custasse
A podre paz que nunca terminasse
(andam cavalos, águias, na carne...)

sábado, 14 de setembro de 2024

(ton) (cht)

Busco na minha experiência
recursos que me permitam
expandir a imaginação

Bárbaro falhanço –
resta pouco para
entender o que terá sentido um escravo

terça-feira, 28 de maio de 2024

futuro da doçura

fatalmente, o que agora acho bonito
é que as tabernas e estalagens de Tiblíssi
tenham sido o museu de Pirosmani
e muito disso tenha sido destruído
pois não caíra ainda abaixo do valor
de uma sopa ou de um copo de aguardente
 
de igual modo, no rosto de Montgomery Clift
acho bonito o dito que o desfigurou

de igual modo, no açúcar em devir
acho bonito o inconcebível caramelo
acho bonito que essas ilhas que não querem
sequer ter cotação para arquipélago 
em lava aceitem dissolver-se por completo
aceitando a mais funda aceitação 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

caça ao leão com arco

como fugir da dispersão causada
pelo marasmo, pelo ramerrão,
pelo desplante face ao património
sincero, fresco e tão feroz da infância?

há de esse fruto ser deitado fora
com todo o pelo em que se descoroa?

lei há nenhuma em terras vegetais
que em terras animais não possa ser
a liberdade apenas entrevista
nas lendas sobre as terras minerais

como caçar a dispersão erguida
na arquitetura da imaginação
– o firme instante canopial?

a mera brisa, nada mais que a brisa,
será bastante para retirar
a um rei da selva quase literal
todos os dentes com que se define?

sábado, 27 de janeiro de 2024

anno animae

ah!
bastou a boca aberta em seu maior diâmetro
e logo o espanto fez da opacidade
uma casca que sai sem descascar

declinámos o puro desejar
a pura fome, o medo, a repugnância
cada vez mais ineptos para ver
que nada saberia fazer ver
além do raio X

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

elginbtqia+

ele agora desde sempre
ao Benim pertence
sua brônzea consistência 
serve de evidência 
em tal caso controverso
mas eis que agora para sempre é parte
de um Partenão que o todo reivindica
tanta memória há nessa união marmórea
nesse fatal futuro, que ele diz
que o seu discurso de outra língua é alvo
– e eu próprio cada vez mais museu de mim

sábado, 14 de outubro de 2023

quando quiser

quero viver dentro do corpo
de uma baleia de desenho inanimado
ser recebido como um papa
estar entre ácidos
como no Conrad das Maldivas
ser Alexandre pela Safo conquistado

quero ser glúten que da pança
subtrai a calma
dormir no inverso do relento
como quem voa num tapete de Beiriz
quero ser rima miserável 
quero ser alma

sábado, 7 de outubro de 2023

mistral

mostro-te um olival cheio de humor
agora é claro que é bom
agora é claro que é mau
o poema pode ser compreendido
sem os pontos de Seurat
mas poder-se-á dizer o mesmo sobre
as linhas que Van Gogh interrogou

sábado, 10 de junho de 2023

Escape

Lá onde tudo é mar sem ter fundura
talvez esteja o estômago a subir em unda maris
embalando o templo pela parte de dentro –
o dinheiro que deves, teus herdeiros que o paguem

Lá onde tudo é céu, mas sem altura
talvez em dulciana um dos pulmões se ande a expandir
embalando o templo pelo lado do verso –
o cuidar a que te obrigas, seja a vida a cumpri-lo
quem sabe se até nem existe mesmo um deus?

Lá onde tudo é 'strela sem lonjura
talvez aposte a próstata em ser digna de nazard
embalando o templo pelo prisma do negro –
esse só mais um
esse só mais este
e ainda só mais outro, o silêncio que os escreva
em sua eloquência exponencial