quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Não saber de que terra se é

Uma bicicleta,
um blue card
e, do olvido, as Metamorfoses:

eis tudo o que foi preciso
para eu cumprir o que a cidade
enig-
maticamente me ordenou:

que em ti me exilasse.

Foi empreitada difícil,
bem mais do que toda a poesia
me poderia ter feito prever.
A princípio,
tinha saudades das minhas ruas,
das gentes da minha carne e do meu osso,
do mirtilo que sempre me acenava
numa esquina entre o pulmão esquerdo
e a imaginação.
As memórias de mim,
uma vez de mim fora,
tornaram-se gorduras,
açúcares excessivos,
negrumes de tabaco,
pedras de rim.

Mas o tempo passa
(com Velocidade, Violência e Demência)


e as coisas mudam...

Em todo o caso,
o teu clima é melhor do que o meu,
nas tuas praias
pode ser-se feliz no instante do mergulho,

e o teu povo tem mais humor,
mais juventude
e talento para a dança
do que os espectros percutidos pelos plectros
da antiguidade da minha terra.

Hoje,
quando tenho um problema burocrático,
já só o trato no teu coração.
Quase só falo a tua língua
e, quando à minha regresso,
trago nela o dialeto de já a ela poder não
regressar.

Vivo numa cabana à beira-sangue
e ocupo os meus dias
(sempre maiores do que
os anos)
a tentar ser o champollion
de tudo isto que me aconteceu.

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