sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Contrapposto

Quando nada é falência
Quando tudo é falésia

Quando a falésia tem
do húmido a humildade

e a vertigem abarca
desde o chão, desde o teto

Quando tudo é pesar
mas o pesar não pesa

até que o corpo passe
por entre o pensamento

Quando contra o canhão
nada há que não paire

e mesmo o filho do homem
faz marcha sobre o mar

Quando a espuma é a marca
que deixa a eternidade

quando é rara e se quebra
quase como um milagre

Quando nada é mais alto
que o valor de ficar

levantado ante o vago
desenrolar do mundo

Quando tudo é falésia
Quando nada é falácia

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Aprendizagem da noite

Não sintas raiva se o sono
te obrigou a convocar
um rebanho todo negro
De noite
todos os bichos são aristocratas

Não sintas nojo dos astros
só porque
se conjugam entre si
sem assim te conjugarem
Nem toda a gente sabe a tua língua

Não sintas ciúmes do harém
de Júpiter ou Saturno
O infinito
de luares que demandas
por uma lua só pode ser dado

Etch a Sketch

            Quando é de outiva que a enxurrada é conhecida
    outro não é o conhecer quando em setembro
    (o estorno feito ao rosmaninho)
    noutro sentido é que eles vêm e eles vão

Mas nem por sombras os meus olhos de mim fazem
um qualquer homem das cavernas –
com todo o tato, em teoria, ao meu alcance
se encontra a chance de poder não contemplar

    E, todavia, continuam a mover-se
    (esses que sabem em si mesmos ter o ninho)
    indiferentes ao sentido a que o sentido
    possa levar quem diz poder não ser levado

Nessa tal feira as atrações são desmontáveis
o dia a dia pode ser monotonia – 
a todo o tempo, em teoria, ao meu alcance
se encontra a chance de poder não contemplar

    E, todavia, eles persistem numa imagem
    que se desfaz e se refaz
    (conjunto de asas em uníssono de incerto
    qual embaixada ao que no céu não é sagrado)

Pudessem eles ser a hipótese de Deus
a endurance do invisível milenar –
a todo o custo, em teoria,
se encontra a chance de poder não contemplar